#CAPÍTULO 16 – OS DISCOS NA HISTÓRIA DO OLIVIER

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No apartamento do meu pai, no terceiro andar do predinho de tijolos do número 3 da Rua Cortot, o meu quarto ficava com a janela para rua, de frente o Museo de Montmartre.

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Eu tinha, para mim, um espaço de 12 metros quadrados enchidos pela minha cama que era a mesma na qual eu dormia com a minha bisavó em Champauger (ver capitulo 7).

Antiga e de madeira ela ficava paralelo, encostada na parede pintada de bege claro.

Em cima dela eu tinha esticado e colado com fita adesiva um cartaz ativista contra a guerra do Vietnã comprado no famoso Mercado das Pulgas da Porte de Clignancourt, que, em negativo sobre fundo branco, representava a silhueta de um soldado americano em pleno assalto sendo atingindo no peito por um tiro de inimigo vietnamita.

O impacto da bala parou sua corrida guerreira, seu tronco e cabeça se dobrando para tras, os braços para cima seguindo o mesmo movimento enquanto ele largava o seu fuzil.

Na parte de baixo do cartaz estava escrito a palavra WHY em caracteres grossos e preto.

Eu não era tão politizado assim não nessa época mas, como as calcas Jeans, os tênis e o quadrado de seda com estampa da índia em volta do pescoço, ser pacifista fazia parte da panóplia dos jovens metidos a rebelde nesse meio dos anos 70.

De frente da minha cama, o meu quarto era iluminado por uma porta-janela dupla que davam para uma sacada tão estreita que mal cabia o meu pé que esbarrava na grade de ferro forjado pintado de preto.

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No chão, de cada lado deste grande retângulo de luz, tinha colocado as sobreviventes caixas de som Keff Coral ligadas a vitrola Thorens TD 124 que, na separação dos bens do casal, ficou com meu pai e acabou no meu quarto (ver capitulo 1). Com todas as minhas aventuras e vivências dessa fase de vida, estava em plena ebulição e a música tinha uma grande importância.

 Eu adorava ouvir a música com o deamer do amplificador entuchado até o máximo.

Tenho lembrança de estar sozinho em casa numa tarde ensolarada de primavera, na certeza que não corria o risco do meu pai aparecer, eu a escutar Genesis “The Lamb Lies Down On Broadway” em alto volume e de janela aberta acompanhar a canção aos berros.

O som que saia da janela do meu quarto era tão alto que batia na parede do Museo de Montmartre, do outro lado da estreitíssima Rua Cortot, fazendo efeito de caixa de ressonância em toda rua.

Ninguém nunca reclamou, no máximo alguns turistas estupefatos ficaram olhando para cima, não sem um sorriso cúmplice se desenhando nos seus rostos ao me ver cantando e gesticulando a cabeça na sacada da janela.

Anedota de um adolescente eufórico.

Quanto ao cartaz do soldado que me vigia enquanto eu dormia, ele teve um fim fatal no dia em que o meu pai estava particularmente irritado comigo, por um motivo a muito tempo esquecido e arrancou violentamente o pedaço de papel da minha parede e, num tom furioso me perguntou se tinha ideia do significado da guerra e do grande respeito que se tinha de ter dela.

É verdade que o meu avô e bisavô eram militares e que em 1945 o meu pai tirou sua irmã, Tia Nicole (Dona do molho do meu restaurante L’Entrecote D’Olivier), dos escombros da casa da família que tinha acabado de ser destruída pelos bombardeiros americanos que largaram suas bombas em cima da cidade de Tours.

Inclusive fico ate hoje me perguntando como que ele tinha me autorizado a colocar este cartaz na parede do meu quarto por tanto tempo antes dele se revoltar.

A realidade da guerra eram bem concretas para ele.

Neste capítulo a minha história da música traz essa anedota e esse álbum de Genesis com a faixa The Lamb Lies Down On Broadway.

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Semana que vem, a continuação nas minhas peripécias na Rua Cortot, quando morava ai com o meu pai. Se preparem, será picante.

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