#CAPÍTULO 15 – OS DISCOS NA HISTÓRIA DO OLIVIER
De noite, depois de ter fugido do internato e quando todos os meus camaradas de dormitório estavam dormindo, ter encontrado o David no seu quarto e ouvir música, contando um monte de histórias e elaborando planos de adolescentes sonhadores, saiamos para rua.
Primeira parada era um velho e típico bistrô popular parisiense do baixo Montmartre, rua Lamark, a duas quadras do seu prédio, onde ele era conhecido como o lobo branco, por ser um bom parceiro de pimbolin. Descolado, David era bastante respeitado como jogador, sempre convidado para formar dupla e brigar partidas com adultos. Não demorou muito para eu aprender a ser o goleiro e “oficializar” a nossa dupla. Depois de algumas partidas e uns 2 ou 3 diabolos/Menthe – um xarope de menta sem álcool misturado com limonada, um refrigerante similar a H2O – oferecido pelo patrão ou a dupla vencida no pimbolim, íamos ate a Basílica do Sacré- Coeur, subindo a Av. Junot, para alcançar a rua Le Pic que, continuando subindo, nos levava atá a Place du Tertre, famosa pracinha boêmia e super turística que ficava animada até altas horas da noite.
Na esquina da praça havia um bistro-café chamado “Le Clairon Des Chasseurs”, muito antigo cujo terraço-sala coberto era fechado pela rua por uma vidraça. Toda noite havia uns trios diferentes de guitarristas que tocavam Jazz Manouche, tipo Django Rheinardt.
Esses artistas Ciganos tocavam a exaustão em duo de guitarristas que se revezam e acompanhados de uma baterista que dava o ritmo, batendo e raspando uma prancha de lava roupa de lata com a ponta dos dedos calçados de dados de costurar, também de metal, para uma plateia de Parisienses e turistas aficionados que frequentavam esse café-bistro só para ouvi-los. O palco, minúsculo, estava encostado na vidraça e os músicos cercados de 3 amplificadores, as válvulas tocavam de frente para as mesas, de costa para rua.
David e eu ficávamos ai parados, bem pertinho deles, o nariz colado no vidro gelado que vibravam com a música. Também colado no vidro, mais do lado interno estavam duas pequenas ventosas de borracha que esticava uma cordinha, tipo varal de roupa com grampos de madeira aonde os clientes entusiasmados se levantavam para prender notas de 10, 20 ou ate mesmo 100 Francos que ficavam ai, penduradas. Imagem, cena e ritmos inesquecíveis.
Eles paravam de tocar às 2:30 da manhã e continuávamos nossa herança noturna até as largas e generosas escadas de frente a Basílica do Sacré Coeur aonde nós se juntávamos a outros grupos de músicos, dessa vez, bichos grilo e suas cortes, que passavam a noite, ai, em grupinho. Após meses ao frequentar e seguir esse mesmos caminho noite após noite, durante os dias da semana supostamente dormindo no internato, nos éramos íntimos de todos eles, ver mesmo, já que do bairro, éramos os donos do pedaço, anfitrião da escada para os turistas que viam engrossar os enxame de jovens, semi deitados nas escadas, olhando para o céu e trocando altas ideias. Quando chovia o roteiro era diferente; David e eu descíamos até Pigale e ai, era outras historias.
A minha entrada na descoberta e apreciação do jazz na minha evolução musical iniciou nessas noites deliciosas “Montmartreziana”. Dai para frente, por mais que o Rock tenha predominado na minha vida de adolescente e depois de jovem homem, sempre teve um espaço para o jazz, um caminho da minha historia que tomaremos uma pouco mais adiante. Enquanto isso, hoje lhe proponho conhecer Django Rheinardt e seu “Jazz Manouche”, um gênero musical interpretado por verdadeiros e geniais artistas ciganos. Achei interessante indicar esse pequeno documentário sobre a vida de Django que permite entender a origem desse estilo de jazz e ver como a minha historia se casa perfeitamente com a realidade. Ver as imagem animadas, em preto e branco do meu bairro, como ele era na época, me deu muito prazer e nostalgia de uma adolescência diferente.
https://www.youtube.com/watch?v=PQhTpgicdx4
Coquette – Potzi, Ninine Garcia, Donald MacLennan : http://youtu.be/n5VbMJlL67Q