#CAPÍTULO 13 – OS DISCOS NA HISTÓRIA DO OLIVIER

Voltar

No século XIX, Napoleão designou o Barão de Haussmann o “artista demolidor” para redesenhar Paris, sob o pretexto de modernizar e embelezá-la, mas também na intenção de eliminar as barricadas dos movimentos revolucionários que envenenavam a vida política da época. Essa obra faraônica teve como objetivo eliminar bairro antigos e populares do centro da cidade, destruindo a mixidade social, e construindo largas avenidas e bulevares bordadas de prédios majestosos e inconfundíveis da cidade Luz. A partir do famoso Arco de Triumph, as 12 avenidas: Champs Elysées, Wagram, Foch, Hoch, Friedlande, Iena, Grande Armée, Victor Hugo, Mac-Mahon, Carnot, Marceau, Kleber, compunham as pontas da estrela da Praça Charles de Gaule Étoile, que concretiza perfeitamente a eficácia dessa urbanização executada no segundo Império. O estilo arquitetônico desses edifícios ganhou o nome de “Haussmaniano”, residências da opulenta burguesia da época.
Os edifícios abrigavam uma dúzia de grandes apartamentos lindos e luxuosos, onde cada apartamento possuía cave individual no subsolo e no último andar, em baixo do telhado de ardósia; quartinhos de 9 a 12 metros quadrados para as empregadas que trabalhavam a serviço dos endinheirados moradores. Até os anos 40, se o estilo das construções mudou, esses quartos de empregadas sempre estiveram presente nos projetos.
Foi no decorrer dos anos 50/60 que o custo da vida, as reformas trabalhistas e sociais francesa ajudaram a eliminar uma categoria muito importante de trabalhadoras domésticas: as babas e as faxineiras. Por claras razões econômicas, cada vez menos as famílias de Bourguese Parisiens tinham condições de sustentar faxineiras em tempo integral para cuidar das suas casas e apartamentos gigantes. Realidade que está também cada vez mais concreta hoje em dia no Brasil.
Pouco a pouco, ao longo das décadas, os quartos de empregadas se transformaram em depósitos de coisas. Em alguns casos eram alugados pelos proprietários a estudantes de passagem em Paris ou servia de quarto independente para os seus filhos primogênito.
Na Maitrise de Montmartre, o Internato de padre onde meu pai tinha me colocado em 1975, fiquei muito amigo de David Rebreyand, aluno da minha sala que, contrariamente a mim, voltava para sua casa todos os dias. Ele morava em um prédio antigo no 42 da rue Caulaincourt, no pê da Butte Montmartre, a dois passos do colégio. Seu pai era um rico editor parisiense que tinha oferecido a David, seu filho único, esse quartinho para ele morar e ser independente.
Escolarização religiosa e severa em internato distantes longe da família, desde minha infância até a adolescência; amargura e sentimento de injustiça a flor da pele; obrigação e “instinto de sobrevivência” se encarregaram de plantar em mim a semente da autonomia e da independência que o tempo e as circunstâncias se encarregaram de regar até chegar a decisão de segurar o meu destino na palma da minha própria mão.
Tudo começou assim: no meio do primeiro ano como aluno interno, raramente eu passava a noite inteira no dormitório da Maitrise; eu fazia “le mure” (expressão que veio dos militares que fugiam das casernas). Éramos mais de 30 adolescentes internos nessa escola e, após o banho de gato que fazíamos na sala de banho comum do dormitório, às 8:30 da noite, o supervisor apagava as luzes e depois de três idas e voltas guiado pela sua lanterna no meio dos corredores formados pelas nossas camas, ele se trancava no seu quartinho cercado de vidros e plantado no meio da gente. Quando ele fechava as suas cortinas e que se apagavam suas luzas, eu esperava um tempo, que me parecia horas, para me levantar com muito cuidado e sem fazer barulho para não acordar ninguém. Eu me vestia bem devagarzinho, sempre deitado na minha cama, em baixo das cobertas. Quando estava pronto, esperava mais um pouco para me certificar que ninguém tinha percebido nada e que todos estavam dormindo profundamente, para aí deslizar da minha cama para o chão e, tal qual um militar em campo de batalha, me arrastava até a porta que dava para o corredor de saída. As primeiras vezes eu tremia e ficava com muito medo. Com o tempo e a repetição sistemática acabou virando rotina. Uma vez no corredor, ascendia a minha própria lanterna e chegava até a escada que dois andares abaixo me levaria até a porta que dava para ária de recreio da escola. Atravessava o quadrado ao ar livre até o fundo, onde tinha o abrigo coberto e onde a gente ficava nos dias de chuva. Ali eu subia pela lateral até o telhado e pulava 3 metro a baixo, na rua particular das residências dos padres, que por sua vez dava para a rua logo atrás da Basílica du Sacré Coeur.
Eu pratiquei esse caminho de fuga muitas vezes com a autorização do supervisor, quando a bola de football passava por cima do telhado na hora do recreio e que tinha que fazer esta escalada para ir buscar a bola de volta. Eu sempre me encarregava dessa função e foi assim que balizei a minha rota. Uma vez na rua, eu ia direito ao prédio do David: a noite era uma criança.
Livre como o ar, fazíamos mil e uma excursões no bairro tradicionalmente bohême, da rua Lepic até a praça des Abesses e descíamos até o depravado Pigale logo mais em baixo. Noite longas, agitadas e inesquecíveis e o som que era a nossa trilha sonora era Eric Burdon Declares “War”: Tobacco Road.
https://www.youtube.com/watch?v=Ig4jQrofnBI

1970
Essa foto minha é de 1970- ano deste álbum. Eu tinha 10 anos e roía as minhas unhas até o sangue, como podem ver focando no meu polegar. Infelizmente a partir de 1975, ano do início dessa aventura, a minha vida era tão conturbada que não tenho mais foto minhas. Só anos depois voltarei a ter imagem pessoas.

Comentários